Negociação, Mediação e Conciliação na Administração Pública: A Lei n.º 13.140, de 26 de Junho de 2015
O Novo Código de Processo Civil tornou plenamente possível a adoção da Conciliação e da Mediação Extrajudicial no âmbito da Administração Pública, pois a partir do dia 17 de março de 2016, findo o prazo de vacatio legis do Novo CPC[1], ter-se-á autorização legal para que a Administração Pública, como regra geral, possa realizar Conciliações e Mediações Judiciais (heterocompositivas) ou Extrajudiciais (autocompositivas). Será suplantada, portanto, qualquer alegação de quebra do princípio da legalidade ao se aplicar os meios alternativos de soluções de controvérsias no âmbito da Administração Pública. Além disso, deve-se banir a contraposição, ainda persistente por parte da doutrina, entre princípio da supremacia do interesse público e da autonomia privada[2].
Categoricamente, uma respeitável corrente do direito administrativo já admitia que a Administração Pública poderia celebrar acordos e transacionar em prol do interesse público. Romeu Felipe Bacellar Filho assim ponderou:
“A Administração Pública pode celebrar acordos e transacionar a fim de evitar litígios despropositados que somente prejudicariam o bom andamento de suas atividades. A transação pressupõe a existência de um espaço de conformação que a lei outorga ao administrador (em outras palavras, discricionariedade) para valorar, no caso concreto, as medidas necessárias para a proteção do interesse público. Transacionar não importa abrir mão do interesse público. A transação existe para permitir a concretização do interesse público, sem excluir a participação dos particulares interessados na solução da contenda”.
Não obstante, a autocomposição agora estará autorizada antes mesmo da vigência do Novo Código de Processo Civil. Isso se deve à circunstância de que a Lei n.º 13.140, de 26 de junho de 2015, publicada no Diário Oficial da União no dia 29 de junho de 2015, que regula a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública, também respaldará as Conciliações e Mediações autocompositivas, portanto, garantindo autorização legislativa para soluções alternativas consensuais de questões envolvendo o Poder Público. Nesse caso, devido à vacatio legis ter sido fixada em 180 (cento e oitenta) dias, no seu art. 47, a contar da publicação oficial, essa norma terá aplicabilidade somente a partir do dia 25 de dezembro de 2015, portanto, anteriormente ao Novo CPC.
Quanto à Negociação, por se tratar de uma autocomposição assistida, na qual há a intervenção de um terceiro (o negociador) que não é imparcial – pois a sua função será defender os interesses de alguma (ou algumas) das partes envolvidas –, sua adoção ainda é duvidosa. Tendo em vista que se está diante das partes individualmente defendendo seus próprios interesses, o seu resultado teria natureza jurídica de transação, o que se pode admitir plenamente quando há um terceiro imparcial interveniente, como no caso da Arbitragem (espécie do gênero jurisdição) e mesmo para ela com restrições. Todavia, no caso da negociação, a dificuldade esbarra frontalmente no fato de o interesse público estar sendo tratado como negócio, principalmente se recordarmos que a autocomposição pode deflagrar ainda em desistência ou submissão. Nesse sentido, Romeu Felipe Bacellar Filho lembra que o predomínio da autoridade, no Direito Administrativo, fez com que a própria palavra “negócio” (que para Zanobini designava o ato voluntário da Administração em analogia ao negócio privatístico) fosse expulsa do vocabulário administrativo. A imperatividade do ato administrativo correspondeu a uma “sacralização do poder estatal” que dificultava, e ainda dificulta, a compreensão de uma Administração inserida num panorama sob a bilateralidade e o consenso[3].
A única saída encontrada seria que a convenção decorrente da negociação fosse homologada nos termos do art. 487, III do Novo Código de Processo Civil, que atribuiu ao Juiz a necessidade de homologar a composição de conflitos que decorram de submissão, de transação e de renúncia[4]. Todavia, como ressalva Flávio Luiz Yarshell, embora extraprocessuais, caso haja homologação, essas atividades passariam a ser consideradas jurisdicionadas, e caminharíamos, então, para a heterocomposição[5].
A autocomposição de conflitos em que seja parte pessoa jurídica de direito público foi recentemente disciplinada pela Lei n.º 13.140, de 26 de junho de 2015. Estabelece essa norma, no seu art. 32, que todos os entes da Federação “poderão criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos” com o objetivo de:
I – dirimir conflitos entre órgãos e entidades da Administração Pública;
II – avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público;
III – promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.
Nessa mesma perspectiva, o art. 43 autoriza os órgãos e entidades da administração pública a criar câmaras para a resolução de conflitos entre particulares, que versem sobre atividades por eles reguladas ou supervisionadas, ampliando o leque para qualquer atividade que tenha sido privatizada em sentido amplo (delegação de serviços públicos)[7].
Na verdade, essas normas acabaram regulamentando o art. 174[8] do Novo CPC – Lei n.º 13.105/2015 – que já impôs também à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a obrigatoriedade de criação de Câmaras de Mediação e Conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo[9].
Não obstante, o que se percebe do art. 32 da Lei de Mediação – Lei n.º 13.140/2015 – é uma autorização para a criação de Câmaras de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos no âmbito espacial/físico dos órgãos da Advocacia Pública, aproveitando a estrutura já existente desses órgãos, no intuito de implementar o que o Novo Código de Processo Civil incentiva. De onde podemos concluir que não haverá antinomia alguma entre os referidos artigos, mesmo após a sua vigência, pois um complementa o outro.
Sem embargo, haverá uma tendência de se internalizar a autocomposição de conflitos em que a Administração Pública figurar como parte, no âmbito dos órgãos de Advocacia Pública, não exclusivamente neles, mais para garantir maior agilidade ao preceito adotado pelo art. 174 do Novo CPC, essa foi a solução apresentada, a curto prazo, pelo legislador infraconstitucional.
Todavia, o modo de composição e funcionamento das Câmaras em comento, bem como os conflitos que a ela podem ser submetidos deverão ser disciplinados pelo respectivo ente Federado, sendo facultativa a submissão dos conflitos à Câmara (art. 32, §§ 1º e 2º).
Afirma a norma ainda, no art. 32, § 3º, que o acordo derivado da Câmara terá natureza de título executivo extrajudicial. Não obstante, por interpretação sistemática, o acordo poderá ser convertido em título executivo judicial se homologado neste âmbito, nos termos do art. 20, parágrafo único, da mesma Lei 13.140/2015.
O art. 32, §§ 4º e 5º, no intuito de ser eloquente, exclui das Câmaras de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos a possibilidade de analisar “as controvérsias que somente possam ser resolvidas por atos ou concessão de direitos sujeitos a autorização do Poder Legislativo”, e incluiu entre suas competências a “prevenção e a resolução de conflitos que envolvam equilíbrio econômico-financeiro de contratos celebrados pela administração com particulares”. Relativamente à prevenção, a inteligência da norma é no sentido de que, levada a contenda à precitada Câmara, não poderão as partes utilizar-se do Poder Judiciário para analisar o conflito, e ainda, a Câmara em que o mesmo foi protocolado é que deverá se manifestar sobre o caso.
Já o art. 33 estabelece que os conflitos poderão ser dirimidos nos moldes previstos nos arts. 14 a 20 até que se criem as Câmaras de Mediação[10], e seu parágrafo único ainda cria o “procedimento de mediação coletiva de conflitos relacionados à prestação de serviços públicos”, que deve ser instalado, de ofício ou mediante provocação, pela Advocacia Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, onde houver.
Esse procedimento foi instituído no texto da Lei de Mediações pelo Deputado e Advogado Fábio Trad[11] mediante uma emenda aditiva, que segundo seu autor, visa aumentar a celeridade na resolução coletiva de conflitos e reforça a afirmação dos direitos do consumidor de serviços públicos. Em seguida, ele aponta situações que poderiam ser submetidas a tais procedimentos:
a) se determinada prestadora de serviços de telefonia parou de realizar ligações telefônicas em Minas Gerais pelo período de uma hora. Por meio da mediação coletiva, poderia se estabelecer que a empresa concederia gratuitamente 20 minutos de crédito para todos os usuários do estado. Com isso, todos os consumidores prejudicados seriam resguardados e evitar-se-ia e a imposição de multas e o ajuizamento de ações judiciais.
b) se uma concessionária de energia elétrica, por um motivo qualquer, interrompeu o fornecimento de energia em todo o estado de Goiás. No procedimento coletivo, poderia ser estabelecido que a empresa concederia desconto de 10% na conta de energia do próximo mês para todos os usuários do serviço que foram prejudicados, reduzindo-se, em contrapartida, o valor da multa eventualmente aplicada à companhia.
c) cite-se, ainda, a situação em que uma prestadora de serviços de água e esgoto não tem atendido satisfatoriamente um determinado bairro da cidade. Na mediação coletiva, poderiam ser definidos, de comum acordo, ajustes a serem realizados pela empresa em certo tempo para adequado atendimento da população prejudicada.
d) por fim, mencione-se um eventual hospital público que apresenta falhas estruturais (vazamentos, infiltrações, inexistência de elevador etc.) e falta de materiais que prejudicam o adequado atendimento da coletividade.
O autor da emenda aditiva ainda arrola três principais vantagens deste Procedimento de Mediação Coletiva de Conflitos:
1) solução dos problemas identificados de forma coletiva e célere;
2) participação dos consumidores de serviço público por meio das associações na construção da solução consensual, o que possibilita uma composição que atenda efetivamente aos interesses da população, que é a destinatária do serviço público;
3) diminuição do número de demandas judiciais;
4) diminuição de reclamações individuais no Órgão de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), já que abre-se a possibilidade de resolução coletiva dos casos que poderiam ser apresentados individualmente.
O art. 34 da Lei n.º 13.140/2015, no intuito de prestigiar a segurança jurídica[12], estabelece que a “instauração de procedimento administrativo para a resolução consensual de conflito no âmbito da administração pública suspende a prescrição”. Em regra, com a reclamação administrativa, já haveria a suspensão da prescrição enquanto pendente de decisão que tenha por objeto a apuração de dívida da Fazenda Pública para com o particular (Decreto n.º 20.910/1932, art. 4º ). Desta forma, se uma Reclamação por si só já suspenderia a Prescrição, com muito mais razão a instauração de um Procedimento Administrativo também deve produzir o mesmo efeito. Foi essa a inteligência da norma, a de respeitar preceitos já enraizados em nossa cultura jurídico-administrativa. Ressalta-se que a norma fala em suspensão e não em interrupção. Maria Helena Diniz aponta quatro acepções para interrupção no direito, em que inclui causas de suspenção: “1 – Fazer cessar por algum tempo; 2 – Deixar de fazer algo temporariamente; 3 – Romper a continuidade; 4 – Parar momentaneamente.”[13] A suspensão tem ligação direta com os itens 1, 2 e 4, ou seja, o sentido de “rompimento temporário” ou “momentâneo” é que fica reservado para o substantivo suspensão[14]. Estabelece ainda, no seu § 1º, que o procedimento só se considerará instaurado “quando o órgão ou entidade pública emitir juízo de admissibilidade”, e que a suspensão iniciará a partir da “formalização do pedido de resolução consensual do conflito”. Por fim, no § 2º, excepciona essa regra para a suspensão da prescrição em matéria tributária, caso em que prevalecerá a disciplina do Código Tributário Nacional.
Importante lembrar que prescreve, em cinco anos, a ação de responsabilidade civil contra a Administração Pública, adotando-se a prescrição quinquenal[15]. O termo inicial do prazo prescricional é a data em que se configurar a lesão ou aquela em que o legitimado para agir tiver conhecimento de quem seja o responsável, prevalecendo o fato que ocorrer por último. O Código Civil de 2002[16] não tem o condão de revogar tacitamente essas normas, tendo em vista se tratar de norma geral e de cunho privatístico, e as normas referidas disciplinarem especificamente os prazos prescricionais e serem de cunho publicístico. Aliás, lex specialis derogat legi generali, portanto, prevalecem as Leis Especiais em prol da Lei Geral, que é o Código Civil[17].
O art. 35 inova ao permitir, expressamente, mediante transação por adesão, a solução de conflitos envolvendo a Administração Pública Federal Direta, suas Autarquias e Fundações. Todavia, para que ocorra, é necessária “autorização do Advogado-Geral da União, com base na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal ou de tribunais superiores” e/ou “parecer do Advogado-Geral da União, aprovado pelo Presidente da República”. Sobre a Transação por Adesão, Heleno Taveira Torres explica que compete à Autoridade Administrativa identificar os casos que devam ser objeto de transação por adesão, quando serão estabelecidos os requisitos e condições para que os interessados possam habilitar-se e aderir aos seus termos, em ato do Poder Executivo. A proposta será vinculante para todos os casos equivalentes, mesmo quando suficiente apenas para solução parcial de determinadas lides[18].
A transação por adesão tem sido muito comum em matérias tributárias, em que o próprio Fisco fomenta o acordo desde que o devedor aceite os critérios preestabelecidos, como se fosse um contrato de adesão. Ocorre muito com as Empresas que procuraram aderir ao REFIS (Programa de Recuperação de Créditos), que ficam vinculadas aos requisitos e condições estabelecidos pelo ato administrativo autorizativo do programa, que no caso do art. 35, deve ser elaborado por meio de resolução administrativa (art. 35, § 1º). Ressalta-se que o interessado em aderir à transação deverá “juntar prova de atendimento aos requisitos e às condições estabelecidos na resolução administrativa” (art. 35, § 2º).
No intuito de respeitar a isonomia, o art. 35, § 3º, impõe efeitos gerais à resolução administrativa para aplicação a todas as pessoas que se encontrem em idêntica situação, desde que estas procurem a Administração Pública no prazo fixado e requeiram a adesão, “ainda que solucione apenas parte da controvérsia”. É importante o Poder Público notificar os seus devedores para que eles possam aderir à transação, mas, infelizmente, nem sempre isso acontece.
A adesão à transação não significa que haverá renúncia tácita à prescrição, nem a sua interrupção ou suspensão. A renúncia só ocorrerá quando for de forma expressa. É o que podemos extrair do art. 35, § 6º: “a formalização de resolução administrativa destinada à transação por adesão não implica a renúncia tácita à prescrição nem sua interrupção ou suspensão”.
O § 4º traz regra que embora, benéfica à economia processual, pode ser entendida como quebra do direito fundamental à ação, ao preconizar que “a adesão implicará renúncia do interessado ao direito sobre o qual se fundamenta a ação ou o recurso, eventualmente pendentes, de natureza administrativa ou judicial, no que tange aos pontos compreendidos pelo objeto da resolução administrativa”. No § 5º, ainda impõe a necessidade de renúncia expressa do direito à ação, sob forma de petição endereçada ao juiz da causa.
Para resguardar a constitucionalidade desses dois parágrafos, necessário se faz realizar uma digressão analítica do direito constitucional de petição e do direito constitucional de ação.
Nessa perspectiva, por meio de uma causa patrocinada pelo jurista Arruda Alvim, representando o Município de Diadema/SP, julgada dez anos após a promulgação da nossa Constituição de 1988, a Suprema Corte brasileira teve a oportunidade de, por unanimidade, se manifestar no sentido de estabelecer a distinção entre o direito constitucional de petição[19] e o direito constitucional de ação[20], colocando o direito de petição como gênero, do qual o direito de ação seria espécie, e, apontando para esta espécie, a necessidade de haver jurisdição para que se possa falar em direito de ação[21].
Ainda há quem distinga o direito de ação de natureza constitucional e o direito de ação de natureza processual. O primeiro seria “a faculdade de exigir a prestação do Estado, assegurado a todos e de caráter extremamente genérico”[22]. Já o segundo consistiria na possibilidade de obtenção de uma sentença de mérito.
Tradicionalmente, o direito de ação perpassa pela necessária comprovação por parte do autor de que ele é possuidor das condições da ação, tendo em vista que elas são encaradas como requisitos para que o juiz possa apreciar o mérito. A ausência de qualquer uma delas pode levar o processo à sua extinção sem julgamento do mérito, pelo que é conhecido como carência de ação. O autor se queda carente, justamente porque não conseguiu demonstrar os três requisitos firmados pelo Código de Processo Civil ainda vigente, no seu art. 267, VI[23]. Esses pressupostos, absorvidos para o Código de Processo Civil em 1973 da doutrina do italiano Enrico Tullio Liebman[24], podem ser entendidos como “os requisitos de existência da ação, devendo por isso ser objeto de investigação no processo, preliminarmente ao exame do mérito (ainda que implicitamente, como costuma ocorrer). Só quando estiverem presentes essas condições é que se pode considerar existente a ação.” Para o autor estas condições poderiam ser definidas também como “condições essenciais para o exercício da função jurisdicional com referência à situação concreta (concreta fattispecie) deduzida em juízo”.
Algum desavisado poderia afirmar que como o direito de petição e o princípio da inafastabilidade do controle judicialOutros poderiam afirmar ser o mesmo cláusula pétrea[27], e que como estas não estariam sujeitas à insurgência do legislador constitucional, com muito mais razão o legislador infraconstitucional não poderia fixar restrições à plenitude do direito de petição. Tais afirmações, entretanto, não encontram amparo na melhor doutrina constitucional.
José Afonso da Silva[28] ressalva que o art. 5º, § 1º, ao estatuir a aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, também abrangeria “as normas que revelam os direitos sociais, nos termos do art. 6º a 11” e que a própria Constituição “faz depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais e coletivos.”. Para o autor, “as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais” e as garantias a esses direitos, “seriam de eficácia contida e aplicabilidade imediata”. Ainda em sua análise, as normas que definem os direitos sociais, em regra, tendem a ser de eficácia contida, e em algumas situações, em que elas mencionam uma lei integradora, apresentar-se-iam como de eficácia limita e aplicabilidade indireta. Sem embargo, a pergunta que ele mesmo responde, é: “em face dessas normas, que valor tem o disposto no § 1º do art. 5º, que declara todas de aplicação imediata?” A resposta não tem como ser somente uma, e o autor as apresenta:
Em primeiro lugar, significa que elas são aplicáveis até onde possam, até onde as instituições ofereçam condições para seu atendimento. Em segundo lugar, significa que o Poder Judiciário, sendo invocado a propósito de uma situação concreta nelas garantida, não pode deixar de aplicá-las, conferindo ao interessado o direito reclamado, segundo as instituições existentes.
Para realizar uma ponderação, o autor deixa uma importante advertência, a de “que as regras de contenção da eficácia daquelas normas não podem ir ao ponto de suprimir as situações subjetivas em favor dos governados. Essa contenção só pode atual circunstancialmente, não de modo contínuo. Isso seria ditadura.” [29]
Desta forma, apesar dos efeitos serem plenos, as normas de eficácia contida podem ter o seu alcance restringido, havendo ou não cláusula expressa de redutibilidade. Isso ocorre pois, se não houver tal cláusula, já é consensual na doutrina que em virtude dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, as normas constitucionais, mesmo as de eficácia plena, não teriam caráter absoluto, podendo ter seu alcance reduzido[30]. Inclusive, essa é a posição do STF, vejamos:
Os princípios constitucionais que garantem o livre acesso ao Poder Judiciário, o contraditório e a ampla defesa, não são absolutos e hão de ser exercidos, pelos jurisdicionados, por meio das normas processuais que regem a matéria, não se constituindo negativa de prestação jurisdicional e cerceamento de defesa a inadmissão de recursos quando não observados os procedimentos estatuídos nas normas instrumentais. (AI 152.676-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 15.9.1995, Primeira Turma, DJ de 3.11.1995.)
Evidentemente é o que aconteceu com os incisos XXXIV, “a” e XXXV do art. 5º da Constituição. Em outras oportunidades, o STF se posicionou no sentido de que as garantias constitucionais do direito de petição e da inafastabilidade da apreciação do Poder Judiciário não poderiam ser invocadas, de forma genérica, para exonerar quaisquer dos sujeitos processuais do dever de observar as exigências que condicionam o exercício do direito de ação, pois onde há jurisdição, a contrapartida é o respeito aos pressupostos e aos requisitos fixados pela legislação processual comum[31]. Nesse sentido, Flávio Luiz Yarshell[32], ao comentar as condições da ação e sua relação com o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, firma as seguintes lições:
Poderia soar paradoxal que, estabelecida a inafastabilidade da tutela jurisdicional pela Constituição (art. 5º, XXXV), viesse depois lei a estabelecer requisitos ali não previstos.
Mas, vistas as condições da ação em sua correta perspectiva de coordenação entre direito processual e direito material, e sempre reafirmando o caráter instrumental da ação, não há paradoxo nem conflito. Quando se exercita a posição ampla e genérica garantida pela Constituição, propõe-se uma demanda que, necessariamente, envolverá determinados sujeitos, fatos e fundamentos jurídicos e um pedido. Portanto, não há como ingressar em juízo sem essa ligação concreta com o plano substancial, no qual, afinal de contas, está a crise a ser superada.
Todavia, se os requisitos colocados para se alcançar as condições da ação forem desproporcionais, o Supremo Tribunal Federal tem admitido a sua exclusão, não só apenas em relação à tutela jurisdicional[33], mas inclusive no âmbito do processo administrativo, como já ocorre em relação à exigência de depósito como pressuposto para admissibilidade de recurso administrativo. A posição do STF tem sido a de garantir o direito constitucional de petição, ou seja, o direito ao recurso administrativo[34], inclusive já tendo sido exaurientes essas discussões em virtude da edição da Súmula Vinculante n.º 21[35]. Nessa perspectiva, pode-se até afirmar que há uma indisposição do STF em relação à exigência de depósito prévio como pressuposto do direito de petição, tendo, inclusive, a Corte Constitucional já sumulado pela sua inconstitucionalidade quando o mesmo for exigido para admissibilidade de ação judicial, que no caso específico eram ações que pretendiam discutir a exigibilidade de crédito tributário[36].
Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina[37] afirmam que o direito de ação compreende não apenas a tutela jurisdicional adequada, mas também um processo adequado.
Este modo de ver o direito de ação, decorrente do art. 5º, XXXV da CF/1988, como direito à prestação jurisdicional adequada ao direito substancial, impõe que se reconheça que a inexistência, no plano processual, de tutela correspondente à reclamada pelo direito material, significaria tornar inexistente o próprio direito substantivo.
Com efeito, dentro dessa mesma visão de se amoldar a legislação processual civil ao direito fundamental à ação, foi que o Novo Código de Processo Civil disciplinou diferentemente a questão, ao estabelecer no art. 317 que “antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício” de forma a garantir a tutela jurisdicional efetiva ao cidadão.
Feitas essas considerações, podemos dizer que quando o § 4º, do art. 35, impõe a adesão ao acordo como renúncia do interessado ao direito sobre o qual fundamenta a ação ou recurso, seja judicial ou administrativo, está a se dizer o óbvio, pois se a parte reconhece que se enquadra nos moldes fixados da resolução administrativa, seria contraditório a mesma permanecer litigando, seja judicialmente ou administrativamente, por uma causa da qual ela mesma reconhece a improcedência. Ao aderir à transação, a parte está ao mesmo tempo afirmando que seu pedido se queda impossível, e a prova disso é o autorreconhecimento de que o fundamento jurídico do pedido é inviável. Também, ao realizar a transação, ter-se-á por inconsistente o interesse processual do autor da ação, tendo em vista tratar-se de questão objeto de autocomposição.
Nada impede, entretanto, que surgindo fatos novos, possa a parte ingressar com nova ação, desde que demonstre interesse de agir e que o pedido recaia sobre fundamentos jurídicos já discutidos por meio da transação.
Outro ponto importante trazido pela Lei n.º 13.140/2015, no seu art. 36, é a imposição à Advocacia-Geral da União em realizar composição extrajudicial do conflito entre órgãos ou entidades de direito público componentes da Administração Pública Federal, aqui incluídas as Autarquias e Fundações Públicas Federais. Importante observar as regras instituídas pelo art. 44 para realização desses ajustes[38].
Ressalta-se que a Lei de Mediação, no intuito de fomentar a solução consensualizada de litígios entre os próprios entes da Administração Pública Federal, impõe que a Advocacia-Geral da União autorize expressamente a propositura da ação judicial, impedindo, portanto o ingresso imediato no poder judiciário sem antes passar pelo crivo da Mediação. Essa é a mens legis do art. 38[39].
Nessa mesma linha, ao art. 37 faculta a submissão de conflitos à Advocacia-Geral da União, para fins de composição extrajudicial, em se tratando de estados, Distrito Federal, municípios, e autarquias e fundações públicas a eles pertencentes, bem como às empresas públicas e sociedades de economia mista federais, excluindo essa possibilidade, no caso dessas duas últimas, de solução de controvérsia jurídica relativa a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil ou a créditos inscritos em dívida ativa da União, quando se tratar de empresas públicas ou sociedades de economia mista e suas subsidiárias exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços em regime de concorrência (art. 38, II).
Alguns requisitos são fixados para que seja feita a composição pela Advocacia-Geral da União:
a) o procedimento a ser seguido deverá ser fixado por ato administrativo normativo (Instrução Normativa ou Portaria) do Advogado-Geral da União (art. 36, caput);
b) quando não houver acordo negociado em relação à controvérsia jurídica, a solução será por arbitramento do Advogado-Geral da União, que neste caso só poderá decidir com fundamento na legislação afeta (art. 36, § 1º);
c) nos casos em que a resolução da controvérsia implicar no reconhecimento da existência de créditos da União, de suas autarquias e fundações em face de pessoas jurídicas de direito público federais, a Advocacia-Geral da União poderá solicitar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão a adequação orçamentária para quitação das dívidas reconhecidas como legítimas (art. 36, § 2º);
d) necessidade de apuração de responsabilidade do agente público que deu causa à dívida, sempre que se verificar que sua ação ou omissão constitui, em tese, infração disciplinar, independentemente de ter havido a composição extrajudicial do conflito (art. 36, § 3º);
e) necessidade de anuência expressa do Juiz da causa ou do Ministro Relator para realizar a conciliação, nas hipóteses em que a matéria objeto do litígio esteja sendo discutida em ação de improbidade administrativa ou sobre ela haja decisão do Tribunal de Contas da União (art. 36, § 4º).
O art. 38 impõe restrição de solução consensual de controvérsias jurídicas que se relacionem a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil ou a créditos inscritos em dívida ativa da União.
A primeira delas diz respeito à inaplicabilidade das disposições previstas no art. 32, II e III, ou seja, no caso de controvérsias relativas a tributos federais e créditos inscritos na dívida ativa da União, não caberá a composição do conflito entre particulares e qualquer pessoa jurídica de direito público, bem como celebração de termo de ajustamento de conduta.
A segunda restrição atinge as empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços em regime de concorrência. Essas não poderão submeter a resolução de conflitos à Advocacia-Geral da União, para fins de composição extrajudicial relativas a tributos federais e créditos inscritos na dívida ativa da União. No entanto, não fica afastada a competência do Advogado-Geral da União de fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal, e/ou unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal.
A terceira e última restrição ocorre quando forem partes órgãos ou entidades de direito público que integram a Administração Pública Federal relativamente à composição extrajudicial de tributos federais e créditos inscritos na dívida ativa da União. Nesses casos, duas regras devem ser observadas:
I – a submissão do conflito à composição extrajudicial pela Advocacia-Geral da União implica renúncia do direito de recorrer ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, todavia, não afasta a competência do Advogado-Geral da União de fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal, e/ou unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal;
II – a redução ou o cancelamento do crédito dependerá de manifestação conjunta do Advogado-Geral da União e do Ministro de Estado da Fazenda.
Por fim, o art. 40, exclui a responsabilidade objetiva dos servidores e empregados públicos que participarem do processo de composição extrajudicial do conflito. Eles só poderão ser responsabilizados civil, administrativa ou criminalmente quando, “mediante dolo ou fraude, receberem qualquer vantagem patrimonial indevida, permitirem ou facilitarem sua recepção por terceiro, ou para tal concorrerem”.
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